Jornal
As brancas folhas retangulares,
Como leves asas de inocentes aves,
Pousam, todas as manhãs, ante meus olhos,
Borradas de tinta,
Salpicadas de sangue.
Delas brotam e escorrem
Lágrimas e suores
Da humanidade exangue.
Sob a aparente candura
Dessas tênues folhas frágeis
Que tombam todos os dias
Sobre o território de meus passos,
Oculta-se um poço profundo,
Por onde sobe até meus olhos lassos
O clarão das batalhas do mundo.
Ah! minha estulta mania
De adentrar todos os dias
Essa arena alucinante
Para ouvir gritos de dor
De gente que se digladia!
E, para minha maior vergonha,
Lá fora, miríades de folhas verdes
Susurram notícias auspiciosas
Que o vento de longe traz;
Enquanto as árvores, de mãos postas,
Na catedral da mata concelebram
O ritual da paz.
Domingos Paschoal Cegalla
Rio, 10/11/86