Manhã de abril
Manhã de abril azul e cálida.
Rádio, tevês e jornais
bombardeiam o povo com notícias.
Do mar sopra uma brisa mansa:
sensação de pétala orvalhada.
Engolfo-me na multidão.
Vou andando a esmo pelas ruas
para auscultar a alma da cidade.
Dos bares, das casas de comércio
saem risadas, pedaços de conversas.
Nos cruzamentos, a luz vermelha
freia a fúria dos veículos.
Pelo menos aparentemente,
nada conspira contra a vida.
Sinais de paz no morro e na planície.
Gaivotas, vindas do oceano,
pairam sobre as ondas de pedestres,
como a pedir-lhes menos pressa,
que se detenham, que olhem para o céu,
onde todas as rotas são azuis.
Vou estendendo meus passos
em meio à turba indiferente.
Procuro perscrutar seus anseios
e decifrar a marca do tempo
no rosto de cada um.
A manhã é bela, a luz
é uma carícia na paisagem.
Da praia aos morros a vida estua.
Mas uma coisa empana a glória deste dia:
a sombra triste dos meninos de rua.
Domingos Paschoal Cegalla
Rio, 28/04/94